Escrevo
a partir da leitura de um romance ficcional: “Nêmesis” – de Philip Roth,
editado pela Companhia das Letras.
A
história se passa no verão de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. A cidade
de Nova Jersey é assolada por um surto de poliomielite, ameaçando as crianças
da cidade com a paralisia e a invalidez permanente, quando não com a própria
morte.
Sobre
este pano de fundo, o destaque é dado a um homem jovem, Bucky Cantor, de 23
anos, responsável por um pátio de recreação de uma escola. É a história da
tragédia pessoal desse homem, tomado pelo medo e pela culpa. E aqui eu proponho uma inversão: é a história de
como um homem tomado pelo medo e pela culpa, invadido por esses dois
sentimentos, entregue a eles, transformou sua própria vida numa imensa
tragédia.
No
início do surgimento dos primeiros casos de adoecimento das crianças, ou seja,
diante do acontecimento grave, Cantor se posiciona frente a um grupo de mães
muito assustadas: “Olhem, vocês não devem se deixar dominar pela preocupação ou
pelo medo. O importante é não infectar as crianças com o germe do medo.”
Destaco
aqui uma primeira disjunção entre o germe da poliomielite e o germe do medo.
Essa é a questão que vai permear o relato. Sem desconsiderar a existência de
que algo se deu num organismo humano, produzindo efeitos dolorosos (houve
realmente uma primeira criança que apresentou os sintomas da doença), na
seqüência, quase não dá para saber se a poliomielite se alastrou ou se o pavor
criado pela possibilidade de que outras crianças poderiam contraí-la configurou
o alastramento dos casos.
É
muito simplista o raciocínio de que um surto é um surto e não tem a ver com o
medo. É necessário considerar que o medo cria condições favoráveis de
fragilidade, debilita o organismo, leva inclusive a uma precipitação – as
pessoas passam a sentir aquilo que alguém que realmente adoeceu apresentou como
quadro clínico.
É
bastante comum a experiência de se ter contato com alguém doente e passar a
sentir os sintomas que aquela pessoa apresentou, e, com isso, desencadear uma
procura por exames, por checagens, que, às vezes, tomam um rumo sem fim, até
que se encontre algo no corpo: algo que talvez não se manifestaria nunca; algo
que é apenas uma singularidade – uma pequena diferença dos padrões geralmente
encontrados. E, a partir desse encontro, cria-se uma doença a ser tratada. Ou
seja, uma particularidade que foi encontrada pela via do medo, passa a ser
lidada como realidade.
Volto
à posição de Cantor. Num primeiro momento, ele sustenta a importância de que a
população não se deixe levar pelo medo. Após o alastramento da epidemia, há uma
mudança nele. Ele, diante da impossibilidade de compreender as razões de tanto
sofrimento e tantas mortes de crianças, passa a tomar para si a culpa pela
transmissão da doença. Nesse processo, ele é tomado pelo medo e adoece também.
Abre mão da mulher amada, abre mão de todas as satisfações e projetos. Não
podendo compreender o que, por si, é incompreensível, não podendo colocar a
culpa em outras pessoas ou em Deus, culpa-se e se destrói.
Talvez
fosse mais interessante suportar o incompreensível, o inexplicável, o
contingencial da vida. E apenas lidar com isso. Seria suficiente. Talvez não
seja necessário fazer a multiplicação da desgraça, essa conta sempre é
realizada com os elementos do medo e da culpa.
Elisabeth Almeida- psicanalista
bethxxxalm@yahoo.com.br
Beth,escrevo a partir do nosso encontro de quinta:frente à alguma coisa que não temos como controlar,buscamos pelo menos uma explicação,uma causa possivel para culpar pelo fato.Se não a encontramos,viramos o gatilho contra nós mesmos,pelo que fizemos ou não fizemos. Dai para frente é combustível puro para remoer culpa,arrependimento,cobrança, e todos estes sentimentos detonadores de qualquer tentativa de leveza na vida!
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