segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Flash 6: Bom demais para ser verdade

         Todos os anos, Freud costumava fazer, em companhia de seu irmão mais novo, uma viagem de férias que os levava a Roma ou a alguma região da Itália ou então a alguma parte da costa do Mediterrâneo. Em um determinado ano eles tinham apenas uma semana para desfrutar dessa viagem. Ao comentar com um amigo que iriam a Triestre, ouviram a opinião de que, naquela época do ano, este não seria um passeio agradável e receberam a sugestão de que fossem a Atenas. 
         Assim, terminada a visita ao amigo, eles se despediram e, na seqüência, passaram uma tarde bem estranha. Aos poucos, foram constatando as dificuldades que esta ida a Atenas portava e isso foi os deixando bastante desanimados, aborrecidos. Mas, mesmo assim, sem que a decisão fosse esclarecida entre eles, ambos tomaram, uma a uma, as providências necessárias para a realização da viagem. Compram as passagens para Atenas e para lá se dirigiram.
         Isso nos mostra como algo desejado (no caso deles, a viagem para Atenas) pode ser preparado como se fosse algo escondido de nós mesmos. Podemos fazer esse “disfarce” sob o manto do desânimo, do cansaço, da preguiça, da sensação de impossibilidade, ou colocando dificuldade.
         Quão estranhos nos sentimos quando queremos muito algo e vamos “dando defeito” à medida que nos encaminhamos para a sua realização. Como estranhamos nossa falta de entusiasmo diante da possibilidade de fazer algo com o qual sonhamos tanto. Como é possível fazer sim o que é necessário, mas de uma forma disfarçada, arrastada, desanimada? Ou como é possível até mesmo chegar a não fazer, colocando diante de nós uma montanha de dificuldades intransponíveis? Ou como é possível chegar à conclusão de que se as dificuldades são tantas é porque não era para ser feito? Ou pensar que se o desânimo é tamanho é porque eu não queria de verdade?
         Os irmãos Freud, apesar do desânimo, (ou talvez protegidos por ele) chegaram a Atenas. No lugar da esperada sensação de alegria, o que experimentaram foi um sentimento de incredulidade, expresso assim: “Então, tudo isso realmente existe mesmo?!!”. Diante da beleza do lugar, da conquista do tão almejado sonho de ver a Acrópole, a expressão do “é bom demais para ser verdade” toma conta deles.
         Estranho,... muito estranho. Porém, podemos reconhecer isso também em nós nas vezes em que, quando desejamos algo, fazemos um caminho que claramente esconde o percurso, como se não o estivéssemos fazendo. Vamos como se não estivéssemos indo, falamos como se não estivéssemos falando. Escondemos de nós mesmos uma alegria que poderia ser desfrutada por estarmos indo em direção à nossa Atenas, naquele momento. E mais, ao chegarmos lá, no lugar da celebração do realizado, ficamos perplexos, chocados, meio perdidos diante da existência concreta da nossa Atenas. “Como pode o “destino” nos proporcionar algo tão bom?” – parece ser essa a pergunta. “Não pode.” – parece ser a resposta.
         Um outro sentimento que pode se apresentar é o: “não mereço tanta felicidade!” – que seria uma variação do: “não pode ser verdade”.
         Parece um contra-senso falar de nossa pouca disponibilidade às experiências gratificantes e prazerosas. Parece. Mas sabemos que há quem perde a hora, perde o bonde, esquece o caminho, fala o que não precisa, adoece, escolhe a roupa mais feia, justamente quando seria mais importante chegar, entrar, agüentar o silêncio necessário, dizer a palavra que importa, colocar-se bem vivo, se fazer bonito, levar a viagem adiante. Desde que “isso que é bom demais” possa sim ser verdade, desde que eu possa sim estar bem contente, bem alegre, nos momentos em que a vida é alegria e prazer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário