segunda-feira, 18 de abril de 2011

Estendendo as mãos aos deuses

Visitar o jardim dos deuses é uma experiência e tanto! Ainda mais para nós que fomos até lá, evidentemente, sem convite e sem autorização. Fomos porque nos sentimos atraídos pelo encantamento forte e estranho que emana deste lugar. Certamente não fomos para desvendar mistérios, para nos apropriar do que não nos cabe, mas sim para desfrutar de imagens belas e fortes, para sonhar estórias, para estender as mãos um pouco mais em direção à beleza, à poesia e, por que não, aos deuses. 
Nosso encontro com Eros – um deus que transita entre a vida e a morte, que não é sábio, embora ame a sabedoria e longe de ser um deus poderoso é uma força sempre insatisfeita e inquieta – nos dá abrigo. A nós e a nossas perguntas, ao nosso desejo de saber, ao nosso amor ao saber.
Nascida do amor ao saber a psicanálise se inscreveu no mundo. Freud, sempre construindo seu pensamento pela via das perguntas que lhe eram mais caras, endereçando-as a um outro, que num primeiro momento foi Willian Fllies e depois um interlocutor imaginário, produziu sua obra com respostas cuidadosas, sempre provisórias, sempre abertas a um possível desenvolvimento posterior. Nunca as propôs como certezas, como verdades absolutas, como saberes advindos de um mestre.
Freud convida a cada um de nós, que tem uma relação com a psicanálise, a conquistarmos aquilo que herdamos, para só então fazê-lo nosso. O legado que chega às nossas mãos se empobrece se dele somos meros repetidores e se enriquece se, diante dele, ao invés de nos colocarmos como fascinados pelo que está pronto, nos colocamos, novamente, como aqueles que buscam formular suas perguntas, sem o constrangimento de não serem elas as perguntas “originais”.
As perguntas são sempre singulares, por mais que já tenham sido feitas antes por outros. Se temos respostas antes de formularmos nós mesmos as perguntas, seguramente estamos repetindo como papagaios coisas que atribuímos a um mestre portador de certezas e verdades e estas respostas de nada servem. Ou melhor, servem somente para fazermos reverência e nos mantermos desimplicados de nosso trabalho singular; para nos garantirmos, ingenuamente, naquilo que nos é oferecido como resultados de pesquisas científicas, opinião pública, ecos do senso comum ou mais gravemente: “o mestre disse”. E o fato de que aos poucos vamos construindo respostas, também não faz de nós, necessariamente, um “mestre”.
Temos experimentado em nossos encontros o sabor do exercício de formular nossas perguntas. Aparentemente fácil, fazer as perguntas que realmente nos interessam não é nada fácil. E o que dizer do esforço de construir as respostas? As respostas construídas ali têm o sabor da novidade, do não pensado ainda, do nascido ali. Respostas que portam os efeitos das imagens compartilhadas no encontro. Imagens como a de centenas de tartaruguinhas que quebram e saem dos ovos depositados na areia e vão em busca do mar – algumas se perdendo no caminho, uma ou outra chegando na água e, mesmo chegando, chegam sem garantia de que poderão prosseguir, nem do que virarão. Imagens que soam como saudações à noite, ao som de um sax, que toca o Bolero de Ravel para acompanhar o sol em sua despedida. Imagens de um amanhecer inesquecível, único, irrepetível, esplendoroso. Imagens que vão formando desenhos em nossas almas e esses desenhos se mesclam às nossas respostas. Sem garantias. Sem apreender o imponderável.
Construir respostas singulares é análogo a responder na vida diante do encontro com o imponderável.  Cada encontro, seja ele da ordem da dor ou do prazer, não é novo no sentido de que pertence à experiência humana como um todo. Porém, é novo porque, na experiência de cada um, em sua singularidade, aquilo, ou nunca foi experimentado, ou mesmo que já tenha sido, não deixa de portar o impacto da surpresa sofrido por aquele que não pode ser vacinado.
Se o encontro com o imponderável puder ser experimentado como um ACONTECIMENTO, ou seja, puder se manter desprovido de sentido – do sentido atribuído a “um alguém que quis fazer isso comigo” ou a um “eu que  fiz isso por um déficit meu” – se esse encontro, seja com a morte ou com alguma forma de perda, ou seja   com o amor ou suas  derivações, puder ser suportado como ACONTECIMENTO, frente a ele nos cabe responder singularmente, o que implica a construção de uma resposta.
Estendemos as mãos aos deuses quando fazemos perguntas. Certamente eles têm suas ocupações. Certamente o nosso gesto permite que coloquemos o olhar em encantamentos que nos ultrapassam, em belezas que dançam ao som de cores e músicas. Certamente essas belezas e mistérios se desenham em nossas almas. E quando por fim esboçamos nossas respostas, vamos de encontro às águas do mar, sempre uma aposta, sempre um depois.

(Na seqüência vamos trabalhar: o Amor como acontecimento e sua relação com os possíveis sentidos atribuídos, a relação entre sentido e medo e respostas ao ACONTECIMENTO).

(texto elaborado a partir do encontro do dia 05 de abril de 2011,
com a colaboração de Ana Paula G. Garcia).

Nenhum comentário:

Postar um comentário