Quinta, 10 de fevereiro de 2011
Com os olhos postos no horizonte de Baricco, nas mutações, inevitavelmente nos perguntamos pelas nossas.
Tocados pelo trabalho realizado na terça, dia 8 de fevereiro, construído sob o texto de Denis Diderot (1713-1784), “O paradoxo do comediante”, cujo comentário mais aprofundado poderá ser encontrado no Projeto “As Patologias do Amor”, trazemos para cá alguns pontos.
Essa nudez não envergonha porque ela não está atrelada a nenhuma condição, sendo a vergonha, na maioria das vezes, um sentimento de inadequação, expressão de que haveria “um jeito certo de ser” ou “um jeito certo para isso”.
Inadequados somos, sempre. É a marca da nossa diferença que se instaura aí. O que pode comover, no sentido de tocar o outro é a nudez.
Sustentando a diferenciação feita por Diderot de que “Ser sensível é uma coisa, sentir é outra”, colocamos a sensibilidade ao lado desta nudez. Despidos, somos sensíveis. Vestidos com idealizações, sentimos. E concordamos com Diderot, sentimos baseado em julgamentos, em premissas não questionadas, em conversa ouvida. Sentimos e Lacan já nos apontou: Le sentiment (que lemos: “çantimãn” e escutamos: Le senti ment – que nos remete a: o sentir mente).
E mais, ganha luz frente a isso a angústia – “único afeto que não mente”. A experiência da angústia é uma experiência pura, portanto dura, desatrelada de julgamentos. Diferencia-se da tristeza, por exemplo, que sempre vem acompanhada de um “estou triste porque...”. Angústia não. Angústia é uma experiência frente a algo que do real nos vem e nos pega no corpo. Algo a fazer, nos convida, nada a queixar, nos ensina.
Voltamos aos sentimentos. E ao fato de que os terapeutas muitas vezes querem tratar os sentimentos dos seus pacientes. Ou querem responder aos pacientes a partir dos sentimentos provocados por estes, neles, terapeutas. A isso chamamos o uso da contra-transferência por parte do analista no tratamento analítico. Esse foi um dos pontos privilegiados por Lacan no seu retorno a Freud, tendo ele assumido uma posição contrária ao uso da contra-transfêrencia – uso este tão difundido entre os pós-freudianos e tão nocivo sob a lente de Lacan.
Juntemos agora o sentimento e a interpretação. A interpretação vai na mesma direção que o sentimento. Ambos são frutos do julgamento. Quando eu sinto é da ordem do julgamento, quando eu interpreto, também. Ambos são imaginários, não têm sustentação no real.
Acrescentemos a esses mais outro imaginário que é “o corpo que fala”. O corpo não fala. Ou, pelo menos, não fala palavras. E são elas que nos interessam.
Interpretar é ser reativo ao que se escuta ou ao que se vê. Vamos nos deter no que se escuta. Se eu interpreto é porque eu peguei a palavra do outro para mim, dei um sentido a ela, e devolvo-a. Deixo claro que estou pegando esta questão por uma vertente muito específica. A questão da interpretação pede muito cuidado, mas, nesta vertente, ela produz estragos. Explico: se eu pego a palavra do outro, pronto. Ele se desimplica dela. Dito de outra maneira, quem arca com o peso, o eco dela, sou eu, e não ele. E cabe a quem diz arcar com tudo isso. Arcar com a palavra que escorregou da sua boca. Ela é de quem a diz. E na maioria das vezes, não é para quem a diz.
Se eu pego o que é seu, seja sua palavra, sua irritação ou algo que você não deu conta, fico eu irritada ou fico eu com algo que é seu, você “fica de boa”. O que vem do outro, é do outro. Se o que você diz eu colo em mim, colo no meu umbigo, vou passar a vida colando coisas no umbigo.
Se o que é seu eu pego para mim, é como se você espirrasse e eu me lambuzasse com o seu espirro. Quem fica sujo como um porquinho sou eu e você fica sendo o porquinho de banho tomado.
Neste ponto somos remetidos à questão constituinte do humano pelas reflexões de Gerusa Marquesini do Prado: “A mãe põe coisas no corpo, nos mergulha no simbólico. Ao propormos não pegar a palavra do outro poderíamos pensar que seria equivalente a nos livrar de algo que é da nossa própria fundação. Talvez por isso essas teorias caiam tão bem!”
Prosseguimos. Sim, há um primeiro momento fundante. Mas nele o equívoco já está presente. Por exemplo, o bebê chora. A mãe dá o peito, tira um pouco das roupas, põe meias nos pezinhos, nina. Se ela soubesse, ela faria uma coisa só. Mas mesmo sem saber, acontece dela dar o peito, o bebê se acalmar, e ela dizer: - “Viu? Ele estava com fome”! Quem garante? O bebê poderia ter se acalmado pelo prazer que sentiu ao sugar,... e não porque a barriga estava vazia.
O equívoco, o mal entendido vai nos acompanhar pela vida afora. É bom saber que isso é constituinte, que podemos navegar nele, lidar com ele, sem recusá-lo, sem acreditar nas palavras e ao mesmo tempo fazendo uso delas. Afinal, nossa carne é tecida por palavras.
Continuamos na próxima quinta.
Elisabeth Almeida
Que hérnia!
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