sábado, 5 de março de 2011

Hanami – Cerejeiras em Flor



Tudo começou quando entrei na Internet, após assistir ao filme “Cerejeiras em Flor”, para curtir mais a beleza do Hanami e do Butoh – que eu conhecia como espetáculo teatral, mas não na perspectiva apresentada por Yu (como a dança das sombras, capaz de abrir um canal de comunicação com nossas sombras internas). Foi nesse desejo que me deparei com sinopses do filme que falavam de algo bem diferente do que eu acabara de ver. Fiquei pensando nisso: nas diferentes formas de olhar,... nas falas duras dos críticos, sobre um filme tão belo. E resolvi escrever sobre isso, fazendo contrapontos com o que li, aproveitando para levantar a bola de questões que aparecem no filme, para quem quiser fazer um bater-bola.
Os críticos apresentam a esposa Trudi como alguém que: “não consegue viajar sem o marido para o Japão, para ver o filho e o Monte Fuji – suas paixões”; “abdica do sonho de aprender a dançar, para não desagradar o marido”;... mas que, diante da notícia de que vai morrer, “convence o marido Rudi a visitar seus filhos e netos em Berlim”. Bom, na verdade, “ela tenta convencer o marido a ir visitar o filho Karl em Tóquio, mas tudo o que conseguiu foi convencer o marido a ir visitar o filho Klaus, os netos e a filha Karolin”. Está posto o cenário: Trudi é vítima de Rudi.  
Vamos agora para a apresentação dos filhos de Trudi e Rudi, sob a perspectiva dos danos que eles causaram aos pais: “O casal percebeu que os filhos estão tão ocupados com suas próprias vidas que não têm tempo para sair com eles”; “O casal vê o quanto eles se transformaram a ponto de considerar a breve visita um verdadeiro incômodo”; “O casal fica sozinho em meio ao desprezo dos filhos”; “Cansados da impossibilidade de se relacionarem com essas pessoas, o casal resolve passar alguns dias numa cidade às margens do Báltico”; “Rudi aceita viajar para a praia com a esposa para curar o desgosto da primeira viagem”. Está posto o cenário: Trudi e Rudi são vítimas dos filhos e netos.

Trudi morre e Rudi paga o preço: “Rudi tenta se redimir por ter sido tão egoísta e, como forma de compensação, vai até o Japão”.
Um primeiro anjo o ajuda: “foi no contato com a amiga de sua filha que fez com que Rudi compreendesse que o amor de Trudi por ele havia feito com que ela deixasse de lado a vida que queria viver”. E não saber o idioma japonês também o ajuda: “ele reconhecerá, na dificuldade de comunicação com as pessoas, os problemas que sempre teve, mas nunca percebeu na sua própria relação de marido e mulher”. Surge um segundo anjo: “No auge da depressão ele conhece Yu, uma garota solitária, que mora numa tenda e dança no parque”, surge uma “bonita amizade, que muito se assemelha com a relação afetuosa pai e filha”.
Cuidado com o que os críticos vêem, pensam e falam. Eles analisam os filmes como se olham no espelho – as imagens ficam mesmo invertidas.
Assisti ao filme com uma pessoa que ficou muito abalada com o “desinteresse daqueles filhos para com aqueles pais”, pegando carona para fazer-se de vítima dos filhos que tem. Fiquei pensando sobre os filhos dessa pessoa, para ver se a queixa fazia sentido. Fazia. Para ela. Pois, para mim, os encontros dessa família são momentos de festas, com direito a muitos passeios, fotos, risos e bate-papos, brigas, ciúmes, confrontos e desencontros,... – como ocorreu nos encontros da família do filme, como talvez ocorra nos encontros das famílias. Cabe a cada um colocar o seu olhar no belo ou no flagelo – positivando ou negativando uma existência.
Coloco meu olhar na beleza. Na beleza que foi ver Rudi com seu inglês, livrinhos, lencinhos, plaquinha, celular e sua enorme habilidade em apontar para as coisas que desejava, abrir-se para Yu, aceitando dela sua amiga ímpar, correspondendo. Juntos passearam pelo Japão, vivendo o Hanami (festival das cerejeiras, no qual as flores simbolizam a beleza, as mudanças e um novo começo), dançando o Butoh que o conduziu até a morte feliz de um homem que bancou e viveu suas escolhas!
Vamos deixar de tentar saber e dizer sobre o outro. Corremos os riscos de achar que eles odeiam aventuras; comem maçã todo dia de manhã ou que namoram, mas são “só amigas”. Vamos deixar de responde “está tudo bem” quando não está, “tudo bem” para os entraves aos nossos desejos. Quando dizemos o que queremos para o outro, eles podem nos comprar ingressos para espetáculos. E se não for seu desejo assistir ao espetáculo, que fique então de fora, zonzos com as nossas escolhas.  
Ninguém é vítima, nem algoz. Em Rudi havia alguém tão egoísta como generoso. Danço com ele no movimento de dar sentido a dor; de transformar afetos em cuidados; de aprender a viver vivendo; de aprender a perdoar, perdoando; de aprender a amar,... amando.
Quanto aos filhos, talvez seja mesmo fácil reconhecê-los quando eles estão em baixo das asas, cumprindo as tarefas a eles designadas (não beber, não brigar, não incomodar o pai,...). Em seus próprios ninhos, são pássaros com suas próprias tarefas de sobrevivência. Não podemos julgar seu canto diante da felicidade ou da dor, pois diante de ambos, cada um responde de um jeito.
Pais escolhem esperar a aposentadoria para rever um filho. São escolhas. Mas a proximidade e a lida com a morte mexe mesmo com os sentimentos, reconfigura as escolhas.
Poderia continuar falando sobre o filme, pois a alemã Doris Dörrie nos dá muitos panos para as mangas. Na trama do tecido ficam perguntas como: as coisas do humano mostradas no filme são de cada cultura (brasileira, americana, alemã, japonesa, indiana,...)? São coisas dos “tempos modernos”? O que aquela família viveu é diferente do que viveu seus ancestrais?  
Termino destacando a importância do olhar do outro (nos reconhecendo, e, com isso, nos significando) e a importância das parcerias e dos encontros, até mesmo dos mais inesperados e conturbados. No mundo, há movimentos de “abraços grátis”, do mesmo jeito em que há corvos nas cerejeiras. Eles cantam o seu canto, mas não impedem a dança de acontecer, a música de tocar, o barco de deslizar sobre as águas...

Ana Paula Guimarães Garcia

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