terça-feira, 18 de outubro de 2011

Flash 3: Uma história sobre porquinhos engessados


O porquinho, esse bicho geralmente bonitinho, aparentemente contente, que anda pra lá e pra cá com seu rabinho enrolado e seu focinho curioso, uma hora sente calor ou vontade de brincar. Quem sabe? Então ele deita na lama e rola pra lá e pra cá, tendo a sensação gostosa de se lambuzar de frescura, de fazer bagunça, de brincar de mudar de cor.
No céu o sol brilha e envia junto com sua luz o calor.
Quando o porquinho se levanta, todo enlameado, uma camadinha dura se forma em seu corpo e ele fica um pouquinho menos ágil, por causa dela.
Da próxima vez que ele cai na lama, já não dá para saber se ele caiu porque estava pesado – por conta do engessamento feito pela lama que secou – ou se caiu porque quis rolar mais um pouquinho. Só se sabe que ele está mais duro. E, assim, é menos porquinho e mais parecido com um bonequinho de corda.
Essa história me faz pensar em todas as expressões da beleza que a cultura nos oferece, que nos encantam. Penso que quem as fez teve que quebrar a casquinha dura que engessa os movimentos, teve que abandonar a forminha de picolé que dá as dimensões prévias para serem preenchidas, teve que tirar a lente do olhar que fabrica o cimento que junta tijolos soltos em paredes sólidas e duras.
A arte não é apenas aquela considerada nas suas expressões artísticas. A arte é também a “arte de viver”. É a beleza fora do “modelito”, é a existência singular fora do molde da “normalidade”, fora da unanimidade. Enfim, a “arte de viver” é a vida na qual permitimos outros tipos de criação possível, mesmo que essencialmente diferente do convencionado como “obra de arte”.
Fazer coisas “grandiosas”, que vão encher de prazer os olhos de muitos, e fazer coisas “singulares”, que vão encher de prazer os olhos de quem as faz, exige que percorramos caminhos diferentes, por um lado, mas absolutamente iguais, por outro. Em ambos os percursos é necessário quebrar o gesso. E isso exige do porquinho inventar outras formas de brincar que não o engesse e nem o transforme em bonequinho de corda, tal como exige de nós que sustentemos nossos próprios caminhos, que sejamos corajosos para construir nossas respostas, na solidão do nosso desejo, na beleza da nossa diferença.

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