domingo, 22 de maio de 2011

O NINHO DA ESCOLHA DESAMPARADA



O desafio que nos acompanha é o de pensar numa escolha que não seja uma “escolha do eu”, entendendo por “eu” a maquininha que permite fazer uma contabilidade com colunas de perdas e ganhos, fazer julgamentos baseados em idéias sensatas e não sensatas ou fazer movimentos de precipitação, gerados pela angústia produzida pela transitoriedade que nos acompanha.
Saímos em busca do ninho da escolha. Mais uma vez buscamos a companhia de um filme. Encontramos nele a história da vida de Ida Dalser, amante de Benito Mussolini. O filme é “Vincere”, de Marco Bellocchio, 2009.
Apaixonada por Mussolini, Ida escolhe financiar um projeto deste homem. Abandonada por ele, fica trancada por mais de onze anos num asilo de loucos, onde é  amarrada, torturada, e se encontra numa situação onde nunca mais poderá ver seu filho.  Ela não desiste. Ela só precisava mentir para se ver livre do martírio. Mas não o faz. Não abre mão. Morre sozinha, convencida e tentando convencer a todos que era a esposa de Mussolini.
Num olhar simplista, alguém pode dizer sobre ela: louca. Tal como se pode dizer o mesmo de alguém cuja vida é moldada por uma escolha que se mostra incompreensível aos olhos de todos e, vale dizer, na maioria das vezes, aos próprios olhos. Incompreensível porque uma escolha desta ordem, geralmente, “sai da linha”, escapa da regra. Nesse sentido sim, escolha e loucura são bem próximas.
Fora do “eu”, a escolha fica desamparada do “sentido”. Desamparada do “sentido”, ela fica próxima da “loucura”, fora da linha. Não estamos, absolutamente, considerando o “fora da linha” como algo patológico. Aliás, fica muito mais próximo do patológico a tentativa de viver, forçosamente, na linha.
“Fora da linha” temos o desejo, ninho das escolhas desamparadas. Nele, temos a oferta dos elementos, do alimento, da força para as escolhas essenciais. Essenciais porque não admitem recusa. Não que não se possa, em nome seja lá do que for, recusá-las. Porém, o preço que essa recusa impõe é de uma ordem impagável. São escolhas que pedem, talvez exijam a entrega. Geralmente, incompreensivelmente e sem garantia alguma de que, se feita, levará à felicidade. O inverso é verdadeiro. Não fazê-la também não garante que a felicidade será preservada.
Dentro deste incompreensível, desta estranheza, deste desamparo, a experiência da escolha pelo desejo muitas vezes é vivida como aniquiladora. Sim, há algo nessa escolha que dá fim a muitas coisas. Ela rompe com os compromissos, com os ideais, com os “como deveria ser”, com os “o que os outros acham e pensam e fazem”, com, muitas vezes, inclusive, “aquilo que eu esperava de mim, pensava de mim, me esforçava por ser ou fazer”. E isso traz uma sensação forte de que algo está sendo estraçalhado, destruído, desmontado. Sensação verdadeira, porque está mesmo. É a destruição dos supostos planos sensatos, contabilizados, moldados pela linha, pela norma, pelo esperado. Nesta perspectiva, muitas vezes nos deparamos com a idéia tentadora de buscar algo que poderia amenizar esse aniquilamento, suavizar esta quebra. Ou seja, manter um pedaço de nós na escolha que exige a entrega, outro pedaço de nós na escolha que pondera.
          Lembrando Caetano Veloso, na música “Uns”:
          “Uns dizem fim
          Uns dizem sim
          E não há outros”.

(Prosseguiremos com as relações entre o desejo e a felicidade, entre as escolhas e a beleza – que pode mostrar que há algo além da dureza desta sensação de aniquilamento – e como é tecido o desejo).


(texto elaborado a partir do encontro do dia 26 de abril e 03 de maio de 2011,
com a colaboração de Ana Paula G. Garcia).

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