domingo, 3 de abril de 2011

Por que não olhar Medeia nos olhos?

Olhá-la bem dentro dos olhos, perguntar-lhe as razões pelas quais fez o que fez, pedir que nos explique melhor, um pouco mais, e mais ainda. Ou deixar que ecoe em nós a voz do coro que conta e canta uma história, deixar que esta história nos traga o que trouxer do momento, nos desperte, nos permita avançar, seguir em frente.  
A idéia de olhá-la dentro dos olhos poderia nos permitir pensar em situações onde ouvimos algo e saímos em busca do que estaria por trás das palavras que nos foram ditas.
Por que não suportar que os olhos de Medeia portam um mistério insondável? Que as palavras que nos são ditas também portam mistérios? Que por serem palavras, já trazem em si a impossibilidade de dizer tudo claramente? Por que nos é tão penoso suportar a impossibilidade de tudo compreender, de tudo esclarecer, de tudo saber? Por que queremos ir em busca de uma verdade útima? Supomos que ela exista?
Nas nossas reflexões sobre o amor fomos levados a considerar um aspecto muito recorrente. Vamos chamá-lo de “Aquilo que nos é dito pelo outro”.
Geralmente, frente a algo que nos é dito, nossa reação é a de ir em busca do que essas palavras querem dizer. Tal como podemos ter o ímpeto de olhar Medeia nos olhos, de querer “entendê-la”, ao invés de permitir que ela ressoe em nós, quando nos deparamos com o que o outro nos diz, ficamos tentados a olhar atrás das palavras perguntando: “O que você quer dizer com isso?” ou “Por que você está me dizendo isso?”
Por que é tão difícil deixar que as palavras ditas pelo outro nos tragam o que trouxer do momento e, com isso, nos desperte do torpor dos mergulhos imaginários, nos permitindo seguir?  Por que não pode me bastar o que você me diz?
Quando nós imaginamos que por trás das palavras tem, por exemplo, uma verdade escondida e vamos atrás dela, geralmente, entramos num labirinto de significações, num labirinto de multiplicidade de sentidos que, quanto mais percorremos, mais nos perdemos.
Quem fala, fala o que pode, o que consegue. Se partimos do princípio que estamos ouvindo uma “mentira”, isso pressupõe a possibilidade de que poderíamos ouvir uma “verdade”e, por sua vez, pressupõe a possibilidade de que haveria uma verdade clara, conhecida, da parte de quem fala e a esconde. Até que ponto podemos falar em verdades? Que garantia temos de que algo é verdade para nós? Até que ponto teríamos que ir para ter certeza de uma verdade?
Isso nos leva a pensar que podemos ter dois tipos de relação com a palavra ouvida. Uma, a de desconfiança, a que nos coloca num movimento de checagem, de interpretação, a partir do que sentimos, de desencadeamento de imaginarização de sentidos, de tentativa de colar a palavra as provas concretas. Outra, a de ser tocado como quem ouve o coro que conta e canta, acolhe e se deixa encantar, sem deixar de saber que palavras não dizem verdades e que, por isso, também não dizem mentiras.
Num segundo tempo desse encontro retomamos a questão da dor, ainda na construção de que a dor é aquilo que fica no lugar daquilo que se perdeu, diferenciando dor de sofrimento. O sofrimento é aquilo que pode ser compartilhado e a dor, sem palavras. Dói. Frente a um acontecimento experimentado como perda, sem buscar um culpado e sem culpabilizar-se, o que resta é a dor. Ali, no meio da sala, quase podendo ser tocada se estendêssemos as mãos, na nossa falta de palavras, esbarramos na dor. Na dor da perda, seja ela de que ordem for.
Se experimentamos algo como uma perda, provavelmente é porque fizemos um investimento afetivo nesse “algo”. Ao fazermos esse investimento afetivo é como se o incluíssemos em nós. Se o perdemos, é como se um pedaço nosso se fosse.  
Nosso “investimento” é sempre amoroso. Resta perguntar se nossos amores têm sempre um caráter ficcional, se eles são sempre ilusões ou, talvez, qual a dose de ilusão eles portam.
Indo numa primeira direção, nossa resposta seria a de que se um pedaço nosso se vai, fica um espaço aberto, não cicatriza – “Oh, pedaço de mim,... oh metade arrancada de mim”.
Sem dar sentido à perda, portanto, sem cupabilizar o outro, seja ele Deus, um outro qualquer ou a si mesmo, resta a dor silenciosa. Impossível a indiferença. Sabemos de tentativas de negação da dor: “eu não queria que doesse”, “eu queria não sentir”,... Tentativa de estar na vida numa assepsia de paredes de hospital. De estar na vida desumanizado. De acreditar na cicatrização perfeita. Passou, fechou.
Indo numa outra direção, pensando a perda como um “acontecimento”, uma coisa inegável é que depois do acontecimento, não somos os mesmos.
Vamos deixar em aberto essa possibilidade a ser desenvolvida.

(Escrito a partir da reunião do dia 22 de março de 2011, com a colaboração de Ana Paula G. Garcia)
 

3 comentários:

  1. Texto mais bem escrito, enxuto, que toca em questões importantes! Badiou assegura que o poema é fechado na própria dobra e que por sua vez não visa a comunicação! Penso nisto como o sinthoma e quanto esta relação com a palavra vem de alguém que por intermédio de um certo percurso faz da palavra um instrumento de apaziguamento, o que lhe poupa de qualquer viés utilitário no campo dos bens supremos alicerçados pela demanda! Bjs

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  2. Beth,
    custei mas achei o Blog, gostei muito,
    achei ótimo o visual do site, Os seus textos eu tambem adorei, principalmente o "tetro", lindo, lindo! fiquei emocionada.
    Muito boa esta idéia, onde as pessoas podem expressar suas idéias. Fiquei feliz por você, e por todos que participam dessa criação que permitem expandir idéias, abrir os corações e mentes.

    Beijos da
    Rachel

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  3. oi Rachel,
    ai, que bom!! fico feliz, agradeço seu retorno, as palavras que incentivam e dão coragem pra continuar fazendo algo que pretende abrir pro mundo aquilo que fazemos.
    bj, Beth

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