segunda-feira, 21 de março de 2011

Rabbit Hole



     Traduzido no Brasil como “Vidas Partidas”, o filme Rabbit Hole, de John Cameron Mitchell, 2010, conta de uma maneira muito bonita a história de um casal cujo filho pequeno, ao sair correndo atrás do seu cachorro, foi atropelado e morreu. Conta a história de uma grande perda, no caso a morte de um filho, mas o que encontramos poderia se aplicar a outros tipos de grandes perdas que ocorrem na vida. E conta a lida de duas pessoas, no caso, o pai e a mãe, com essa perda.
     Centralmente, o filme mostra os dois lidando com a perda na vertente da experiência da dor e de uma maneira muito interessante, não dando um sentido para ela. Ou seja, em momento algum eles se perguntam por que isso foi acontecer com eles. Há uma breve passagem onde eclode uma tentativa de atribuir a um portão aberto ou a um outro incidente, porém, isso não se sustenta.
     É bastante desconcertante ver descortinar-se aos nossos olhos as vidas desses dois personagens. Recusas, modos de tratar as lembranças, manutenção de objetos e descarte dos mesmos, são apresentados com uma força e ao mesmo tempo com uma delicadeza impressionantes.
     Logo de início vemos o casal participando de um grupo de apoio para pessoas com esse tipo de ocorrência na vida. Ao escutar de uma outra mãe que “Deus queria mais um anjo, por isso teve que levá-lo”, Becca, a mãe em torno da qual o filme gira, abandona o grupo após dizer que “Ele é Deus! Porque não criou mais um anjo?” deixando todos perplexos com sua dor sem explicações. Claro, a explicação última seria a terrível vontade de Deus, os misteriosos desígnios do destino ou do criador, incompreensíveis para nós, humanos, porém, definidores dos acontecimentos, especialmente os muito dolorosos.
     Marcarei dois momentos. Um primeiro, Becca, numa conversa com sua mãe, que por sua vez também havia perdido um filho já adulto, numa cena onde elas estão diante de alguns objetos que pertenceram à criança e que estavam ainda na casa. Penso nesse momento como um paradigma de qualquer outra grande perda, quando nos vemos diante dos “restos”, diante daquilo de concreto que fez parte de nossa existência, de nosso cotidiano. Objetos, espaço físico, todo tipo de coisa com as quais marcamos nossas relações, nossas experiências. Vou reproduzir aqui o diálogo que se deu entre Becca e sua mãe, diante desses objetos.
     Becca: “Isso nunca desaparece?
     Mãe:  Não.
               Eu acho que não desaparece.
               Não aconteceu comigo e 11 anos já se passaram.
               Muda, no entanto.
    Becca: Como?
    Mãe:    Eu não sei.
                Na maneira, eu acho.
                Em algum momento isso se torna suportável.
                Se transforma em algo que você pode sair rastejando desse mal... e
                carregar por aí como um tijolo no bolso.
                E você pode até se esquecer.
              Por um tempo. Mas então, por qualquer motivo, o encontra...
              Ali está: ‘ Tudo bem, aquilo’.
              Pode ser terrível.
              Mas nem sempre.
              É uma espécie de...
              Não que você goste, exatamente, mas é o que você tem no lugar de
               seu filho. 
              Então, você o carrega por aí.
              É justo.
              Não vai embora, o que é...
     Becca: O quê é isso?
     Mãe:  ...bom, na verdade.

     Numa segunda marcação ressaltarei a procura que Becca faz do rapaz, motorista do carro que atropelou a criança, e seu encontro com ele. Não há acusação, falam sobre o ocorrido minimamente, o que interessa é o que falam e não tem a ver com o acontecimento. Mais que falar, o que se dá entre eles é da ordem de um “encontro”, onde ele lhe mostra um livro de historias em quadrinhos que está escrevendo e ela, num fragmento de conversa sobre a existência de outros mundos, “mundos paralelos”, diz que gosta da idéia de se imaginar se divertindo em outros mundos, com outros “eus” dela.
     Becca e o marido, os pais da criança atropelada, vão fazendo movimentos em suas vidas marcadas pela dor. Um não compreende o outro. Cada um vive como pode, cada um faz o que consegue com a dor. A partir de um determinado momento, quando ela consegue prosseguir com e apesar da dor, ele, estranhando sua lida com as coisas, vai perguntando a ela: “e então?”,
como quem quer saber do depois, depois que a gente fizer isso, depois...
ENTÃO, ou depois, é uma decorrência. Apenas.
     Diante de (ou após) uma perda, a culpa só perdura se essa perda estiver amarrada a um sentido. Sem sentido, a dor é exatamente o que se tem no lugar daquilo que se perdeu. Ela é o que fica, frente ao que se vai, ao que se teve um dia, porque sim, apenas. E aconteceu de não se ter mais, apenas. Sem um Deus que quis ou parou de querer. Sem mérito, sem punição, portanto, sem culpa.

20 de março de 2011

2 comentários:

  1. Esse diálogo me marcou profundamente. Wuanfo assisti ao filmes.e pela primeiras vez só tinha dois anos que meu filho tinha partido. Em abril completo 12 anos sem meu filho. A definição do sentimento que fica é perfeita. No início é como se um edifcaísse sobre vc. Depois de algum tempo vc percebe q continua viva, e aos poucos vai saindo dos escombros. Mas ao começar a caminhar percebe que halo diferente, há um peso e aí vc encontra um tijolo no bolso. Você não consegue livrar desse tijolo e se acostuma com ele.

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  2. Esse diálogo me marcou profundamente. Quando assisti ao filme pela primeira vez só tinha dois anos que meu filho tinha partido. Em abril completo 12 anos sem ele. A definição do sentimento que fica é perfeita. No início é como se um edifício caísse sobre vc. Depois de algum tempo percebe q continua viva, e aos poucos vai saindo dos escombros. Mas ao começar a caminhar percebe que há algo diferente, há um peso em vc é como se carregasse um tijolo dos escombros no bolso. Você não consegue se livrar desse tijolo e se acostuma com ele.
    Argenid Sardella

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