quarta-feira, 29 de junho de 2011

Chamar isso daquilo é ser tolo?



            Os pontos da evidência estão na minha frente. Rapidinho eu fecho o desenho. Pronto. Não invento nada, não entrego nada de mim – me aniquilo. Rendida diante do desenho anteriormente sugerido, ignoro os espaços, as brechas, as frestas – janelas e portas por onde eu poderia reconfigurar a figura. Como é que eu fico?

– Ah! Mas eu não acredito!
– Por que tem que acreditar? Quem falou que crer é condição? Alguém já experimentou “crer” e não fazer nada e viu algo acontecer?  

            Então, não precisa acreditar. Acreditar, muitas vezes, é um substituto, uma ilusão de que se está fazendo alguma coisa.

– Ah! Mas eu não vejo saída!
– Ainda bem! Pois se visse, seria alucinação visual! Saída não tem mesmo, é a gente que faz.

            Bachelard, no livro “A POÉTICA DO ESPAÇO”, cita um trecho descrito por Hermann Hesse, em artigo para a revista Fontaine, nº57, pág. 725:  

“(...) Um prisioneiro pintou na parede de sua cela uma paisagem: um trenzinho entrando no túnel. Quando os carcereiros vêm procurá-lo, ele lhes pede “gentilmente que esperassem um momento para que eu possa entrar no trenzinho da minha tela a fim de verificar aí uma coisa. Como de hábito, eles se puseram a rir, pois me olhavam como a um fraco de espírito. Eu me tornei pequenininho. Entrei em meu quadro, subi no trenzinho que se pôs em movimento e desapareceu na escuridão de um pequeno túnel. Por instantes, percebeu-se ainda um pouco de fumaça em flocos que saía pelo buraco arredondado. Depois essa fumaça desapareceu e com ela o quadro e com o quadro a minha pessoa ...(...)” (Coleção “Os Pensadores”, 1984. Pag. 295)

            Duvidar, alimentar esperança, crer. Com esses três fios tecemos o medo. Mas estamos em busca do que pode ser tecido com outros elementos: a criatividade, a beleza, o humor e o afeto. E fomos buscar novamente nos filmes nossos elementos. No filme “O Concerto”, o diretor Radu Mihaileanu nos apresenta, delicadamente, uma história sobre um desejo forte, instaurado no campo da fantasia. Uma fantasia quase assustadora, na sua dimensão de grandeza, metáfora pura de que sim: sonhamos desdobramentos que a razão lê como loucos, impossíveis, delirantes, pretensiosos. Mas sonhamos. Ao menos no sonho e na fantasia somos incapazes de abrir mão daquilo que desejamos.
            No filme há uma nuance que nem sempre ocorre: um elemento da realidade aponta uma possibilidade de realização. Claro que esse elemento não é um telegrama de Deus, nem um certificado de garantia. Claro que chamar de "elemento da realidade” um fax roubado já é um exercício criativo de aproveitar uma fresta.
            Impressionante como nos é mostrada a balbúrdia que se instaura a partir do momento em que a construção do desejado se coloca em movimento. Inacreditável que aquilo possa dar em algo. Moral da história: fazer coisas da ordem do desejo não comporta uma organização – diferentemente do que se prega por aí.
            Atualmente, o pensamento vigente (vide os livros mais vendidos) prega que, para se desenvolver ou para chegar onde se deseja, você precisa de estratégias. Os livros são baseados quase que exclusivamente em regras de estratégias. Resultado: há um engessamento da criatividade na vida – e isso não funciona.
            Contrapomos esses livros, baseados nas artes de guerra, ao filme Matrix – que dissolve qualquer crença, seja lá no que for. Exilados que somos, se existe uma realidade é porque, automaticamente, a gente uniu os pontos.
            A invenção, a criação, é aquilo que fazemos com as frestas, com os buraquinhos ainda abertos no desenho até então apenas sugerido.
            O lúdico é o aproveitamento da chance que os buraquinhos nos dão.
            Chamar o desenho de “estrela”, de "buraco" ou qualquer outro nome, na maioria das vezes, é ser tolo. Quando você fecha como estrela ou buraco, acaba a liberdade. É na fresta que existe a chance, a possibilidade. A definição é o óbvio. E o óbvio... é sempre tolo.
            A fresta é aquilo que pode ser dito pela pessoa que passou por ela, descolando-se do desenho anunciado.
             
Elisabeth Almeida

(texto feito a partir dos encontros dias 07 e 14 de junho de 2011,
com a colaboração de Ana Paula G. Garcia).


Obs: o autor do desenho não é Alex Grey, no entanto o trabalho deste último é pertinente ilustração e sugestão a partir do texto, daí o link até o seu site. Não conseguimos descobrir na net o autor do desenho utilizado.

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