segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A lente do nosso olhar: uma fábrica de cimento


                    
            Dois filmes em cartaz: “Melancolia”, de Lars Von Trier, e “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick, vêm ao encontro do que estamos trabalhando.
             “Melancolia” nos apresenta a questão das experiências da vida, dos acontecimentos de nossas vidas e a falta de sentido que, por si, eles têm. Primeiro, no plano da experiência individual, reproduzo a idéia: uma mulher vive sua festa de casamento como algo estranho a ela, como se fosse um filme do qual ela não fazia parte. Depois, num plano maior, ultrapassando a falta de sentido, “Melancolia” coloca a questão do fim de tudo, expresso numa colisão de um planeta com o nosso. Não apenas falta um sentido para as experiências da vida, como também tudo acaba (ou pode acabar) em decorrência de um acontecimento.
            “A Árvore da Vida” nos apresenta um mundo com sentido e este sentido, em última instância, seria Deus. Um Deus que, ora “escreve reto por linhas tortas”, ora cochila, deixa acontecer coisas que não deveriam acontecer, ora é indiferente a nós. Expressões tais como: “Deus sabe o que faz, por menos que eu compreenda”, “Deus se esqueceu de mim”, “Deus não se importa a mínima com o que se passa comigo” são retratos deste modo de dar um sentido aos acontecimentos desprovidos de sentido, impossíveis de serem compreendidos.

            Acontecimentos, sejam eles naturais, como a colisão de dois planetas, grandes tempestades, ventos devastadores, sejam eles a morte de uma pessoa querida, uma doença grave, um amor perdido, um acidente,... como lidar com eles?
 
            Como lidar com a dor?
            Como olhar para essas coisas que acontecem e não experimentar um sentimento de que há nelas uma impiedade que nos exclui de algo maior?
            Afinal de contas, fazer o quê com isso?
            Uma das possibilidades é tentar dar um sentido que nos console ou um sentido que nos permita nos revoltarmos contra algo, seja esse algo externo ou interno. Trabalhemos um pouco com essa primeira.
            Diante da perplexidade e da desorientação que experimentamos frente à dor, nós olhamos, pensamos, sentimos e concluímos. Construímos certezas, como já vimos, permeadas de desconfianças. Ao mesmo tempo, por mais que sejam habitadas pela desconfiança, nós injetamos uma consistência nelas tal como alguns homens usam o cimento para transformar tijolos soltos em paredes sólidas e duras.
            O que me interessa nesse momento é pensar de que natureza é esse cimento que usamos para construir as paredes das nossas certezas. De onde tiramos a consistência que damos aos acontecimentos? De onde tiramos o sentido que emprestamos aos acontecimentos? Estou partindo do princípio que, num primeiro momento, o acontecimento não tem sentido em si próprio. MAS insistimos em perguntar: Qual o sentido da morte? Qual o sentido de nascer? Qual o sentido das perdas que experimentamos? Qual o sentido dos prazeres, das alegrias que experimentamos?
            Quando insistimos em perguntar, construímos, inevitavelmente, respostas, e, com elas, construímos “certezas”. Cimentamos os tijolos antes soltos. De onde vem este cimento? De onde vêm estas respostas? Qual o material que usamos para construir estas certezas?
            Proponho que a lente do nosso olhar seja o depósito de onde tiramos isso. Prosseguirei com essa questão e deixo algo para ser retomado: o desejo também se incluiria aí?
                                                                      
                                                                       Elisabeth Almeida

(texto elaborado a partir do encontro do dia 16 de agosto de 2011, com a colaboração de Ana Paula G. Garcia).

2 comentários:

  1. Beth,lendo um texto de Freud de 1924/25 "As resistências a Psicanalise" Freud diz que: "a sociedade estabeleceu um elevado ideal de moralidade na restrição dos instintos, e insiste em que todos os seus membros preencham esse ideal, sem se preocupar com a possibilidade de que obediência possa pesar onerosamente sobre o indivíduo". Penso que uma fabrica de certezas e sentidos sejam eles positivos e ou negativos para qualquer coisa da vida é o preço que pagamos pela entrada no mundo de seres falantes. Na medida que afastamos dos instintos naturais criamos esta lente que ilusoriamente Vê o mundo ao mesmo tempo que sente ser olhado por ele.

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  2. Continuando .... no desejo..., colocado no texto. Se como seres falantes nomeamos as coisas, os objetos, na presença e principalmente na ausência dessas mesmas coisas,o desejo vem desse mundo de possibilidades imaginárias, simbólicas atravessadas pelo real que não encaixa nas nomeações. Desejo? Posso desejar na fábrica de cimento, mas há meios de desejar fora da fábrica, escolha...percurso de cada um.

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