quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Passagens


Fizemos a passagem no texto “A Lente do Nosso Olhar: Uma Fábrica de Cimento” das certezas que nos paralisam, das desconfianças que nos deixam impotentes, para a dúvida – tratada até aqui como uma possibilidade de abertura para a invenção, para a criação. Chegamos a uma proposta de saída pela via da lida com a vida, a partir da invenção.
Quais os problemas que isso nos coloca?
Como pensar uma invenção que seria diferente das “invenções das certezas”, diferente das “invenções desconfiadas”?
Seria o caso de inventar uma saída mais “verdadeira” que a das certezas, ou mais “esperta” que a das desconfianças?
Somos lançados a um abandono da “razão” quando deixamos de lado as construções racionais, a partir do que nos é dado pelo outro, pelo instituído.
Estamos livres enfim? Não. Se saio de uma posição onde o que o meu olhar vê, o que o meu pensamento conclui, é entendido como “verdade”, é necessário considerar que me resta outra posição, onde o que vejo, o que concluo, está sustentado em meus fantasmas.
De prisioneiros do instituído passamos a prisioneiros dos nossos fantasmas. Seriam eles a última lente através da qual nós olhamos o mundo?

Vamos nos deter nos fantasmas, habitantes do nosso imaginário, contingencialmente articulados ao que pertence ao campo do simbólico, ao mundo externo.
Tentemos, num exercício de sutileza, olhar para esses habitantes como se já despregados um pouco do mundo externo.
Os fantasmas são habitantes e são, ao mesmo tempo, fantasmas.  Habitantes porque moram em mim – são as marcas do outro que me constituíram. Fantasmas porque são como os lençóis voadores, que dançam ao sabor dos ventos, tomam a forma que tomam, sem que nada por baixo dê a eles alguma sustentação.
Mesmo eu não estando mais em relação direta com esse outro, eu continuo mantendo-o como um lençol vazio, em pé. Isso porque fizemos do outro um fantasma e o fizemos para fazer nossa construção interna, nosso “eu”.

Ao construirmos nosso “eu” com os fios do outro que marcou nossas vidas, esses fios, também se tornaram material constituinte daquilo que desejamos.
Com isso, chegamos nas relações existentes entre as marcas do outro e o nosso desejo, que é atravessado por essas marcas.
A questão que se coloca é como passar de uma relação com o outro onde ele, necessariamente, entrou como minha possibilidade de me constituir como um “eu”, onde ele esperou e desejou coisas de mim e para mim, onde eu precisei me identificar com ele para me constituir como humano, para uma outra relação que não seria a de alienação nele, nem a de tentativa de eliminá-lo, confrontando-o, negando-o?
Como seria manter uma relação com o outro sem repeti-lo, sem repudiá-lo, sem excluí-lo?
Seria essa relação o amor?


(texto elaborado a partir dos encontros dos dias 30 de agosto e 6 de setembro,
com a colaboração de Ana Paula G. Garcia).

Um comentário:

  1. Beth
    Ao ler o texto fiquei na sensação de ver Lacan trabalhando com os barbantes coloridos já na fase final de seu ensino de pouco dizer. Fazer presença e a ausência de sua pessoa, impactando aqueles que ali o olhavam.
    Os fantasmas dançando como bem disse você, como lençóis vazios, mas necessários para construção do eu. Nosso eu atravessados por marcas que alimentaram, fizeram ninho para nosso desejo ser gestado. Chego à pergunta sobre a relação com o outro, fora da alienação, negação, confronto, se seria essa a relação o amor.
    Volto à imagem de Lacan, da dança dos barbantes. Provocativo. Em silêncio, lidando com o material constituinte de nossa existência, presentificando as possibilidades de usar esse material na vida. Amarrando.
    Amarrações que dão sustentação ás várias possibilidades de um ser existir, fazer amor como amante, no ato de deslizamentos coloridos, experimentar.

    ResponderExcluir