quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Refúgio e Tempo

O refúgio estava consolidado, era uma casa cheia de artérias repugnantes que de modo entusiasta enrolavam seu pescoço com uma força bizarra e estranha, se é que não podemos chamar bizarro e estranho de mesma coisa! Ele resolvera ir parar lá, caverna escura e quente, lugar maldito onde partículas de enxofre solapavam brilhantemente as escassas moléculas de oxigênio, sua pocilga era apertada como um albergue qualquer, de um lugar qualquer que fica na beira da rodoviária escura de um buraco alhures da imaginação e de qualquer perspectiva de intensidade. De lá ele saía quase todas as madrugadas e na boca perversa da esquina sombria tomava dois tragos fortes de um conhaque vermelho vencido, não sem antes dar certas baforadas em um cigarro vagabundo que filava da mesma puta, do mesmo banco, do mesmo vestido. Ora ou outra acabava no meio das pernas dela, dando gemidos roucos e barítonos de prazer, queria devorá-la abruptamente, quantas vezes saiu ferido com o sangue escorrendo o pescoço isso não posso dizer, inúmeras vezes. Acontece que o engodo é uma dama que sempre assalta o quarto masculino, nestes momentos aquela cascavel de couro dependurada atrás da porta marrom ruivo virava sua consolação, virava seu terço imaginativo e ele arquitetava tudo com um deleite tão cruel que se alguém fitasse seu semblante diria que a figura deveria estar se deleitando em algum recôndito da memória que só o mesmo conhecia. A cascavel reluzente chamava-o em sonhos e ele acordava para não ter que se haver com as presas desse ofídio feroz, na maioria das vezes banhado em um suor repugnante e assim como já quem conhece a estrada, buscava a esquina para num lance forte de dados, virar com abstinência atroz seus conhaques vencidos. Enquanto isso devorava as pernas da sempre mesma puta do vestido lilás que se entregava como cardápio guloso para a noite. O cansaço um dia lhe chegou na alma, a alma é um conceito limítrofe entre o corpo e o aparelho psíquico, talvez seja o que o velho Freud chamou de pulsão, esta pulsação dilacerante que noites ou outras apareciam nos sonhos de um refugiado desgastado e odiado. Naquela noite ele decidiu matar a puta, chegou ao bar com um ar de desgraça mais carregado que de costume, estava armado de um desejo dilacerante em penetrar aquela mulher com uma verve eloqüente recheada de tons sombrios de madrugada tempestuosa, tomou seu conhaque, fora meia garrafa em um só gole, tragou um cigarro todo em pequenos minutos e assim dirigiu-se àquela meretriz, ofertando o corpo, a alma e a vida. Deram a última trepada, uivaram como animais, seu esperma jorrou no ventre dela como a luz incendeia o campo em crepúsculos de verão, o dia se fazia amanhecer e ele de pé jogava gasolina sobre o refúgio todo, acordou a puta mansamente e a tocou com carinho, como quem toca bichano, acendeu um palito de fósforo e consumido pela dança da chama na pólvora da madeira, deixou-se hipnotizar por um breve instante, até que soltou o palito e a chama crepitou voluptuosamente sobre o lençol, flertou com o fogo, sentiu seu calor, chorou uma lágrima e partiu. A pequena vizinhança fez alvoroço ao lado do refúgio e ele sorrindo prazerosamente dançava pela estrada afora, sem saber para onde, sem saber quando, sem saber da volta, apenas sapiente de que o tempo nunca quis esperar.
Thiago Paiva

Um comentário:

  1. tua poesia é forte, densa, quase cinematográfica. Gosto das coisas que ficam me acompanhando assim, ressoando em mim, viajo nas imagens, passeio nos teus quadros.

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