quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Tetro

     O filme “Tetro”, de Francis Ford Coppola, trata de questões que não portam nenhuma novidade, tais como a rivalidade explosiva que habita cada família, as complexas relações entre pais e filhos permeadas por expectativas, ódios, ciúmes, acidentes brutais que se dão ou não se dão – dá no mesmo, escolhas, diferenças.
     A maneira de tratar uma não- novidade, esse é o ponto inicial da minha leitura deste filme. Tratamento que se dá através da utilização da  beleza nas cenas, ( sim, a beleza trata), pelo semi-onírico que perpassa a história, pelo jogo que faz deslizar a realidade e a ficção.
    Destaco  a idéia da salvação e sua relação com o amor. Há um momento preciso onde Tetro responde à sua mulher : “Quem disse que eu quero ser salvo?” Exatamente isso. Frente a uma mulher, no caso, uma médica, que o conheceu quando internado  em um hospital psiquiátrico e se apaixonou por ele, e tudo indica que de lá saíram para viver juntos, ele a questiona desta maneira.
    Ela se apaixona por ele, oferece-lhe amor desde o primeiro instante. Está sempre pronta a acolhê-lo, entende-lo, ajudá-lo e  nada disso  o demove de sua posição de recusa.
    Aliás, outro aspecto muito sensível é exatamente o retrato que ele faz de alguém que recusa, admite sua recusa, sustenta sua posição, pede que o deixem em paz. Nenhum problema no fato dela querer ajudá-lo. Todo problema no fato dela não escutar que ele não quer ser ajudado. Simplesmente. E mais interessante ainda, ele não fica convocando-a para isso, não espera dela, ele se agüenta na sua diferença e na suas escolhas. O “louco” não se apresenta tão louco. Tantas loucuras paralelas são mostradas...   
    No início do filme a chegada de seu irmão mais novo em sua casa provoca-lhe irritação e desconforto. Sem ingenuidade, não leiamos isso com olhos óbvios! Não é nesse momento que a rivalidade está sendo mostrada. O que temos inicialmente é um homem que não quer contato com sua família. Não quer saber desse irmão. No maravilhoso jogo poético com o tempo cronológico e com o fio tênue que une realidade e ficção, esse irmão, depois, é filho. Filho que Tetro vai salvar da morte e o faz com e por amor, e, na minha leitura, nesse momento, Tetro se salva, se salva amando, e não pelo amor oferecido insistentemente pela sua mulher. Quando  Tetro ama ele não está pedindo nada a ninguém, não está recebendo gestos de suposta salvação, ele se salva por si e usa do amor para fazê-lo.
    Ser amado não salva, demandar amor não salva, talvez possamos pensar no amor como instrumento de salvação no sentido ativo, daquele que ama, daquele que se joga como amante.                      
   Nessa direção, quem teria se salvo também poderia ser sua mulher, que o amou, evidentemente. Porém, seu amor era um amor-auxílio, que tem como paradigma uma relação terapêutica inicial, onde as posições de duas pessoas são bem diferentes embora o fio condutor também seja reconhecido como amor.
   Não me agrada definir o amor presente numa relação terapêutica de “amor- auxílio”, ao contrário, sabemos, e desde Freud, que esse tipo de ajuda provoca aquilo que conhecemos por Reação Terapêutica Negativa. Uma resposta contrária ao esperado, por parte do paciente. No filme, essa médica que se apaixona por um paciente, e em si o problema não reside aí, leva para a vida compartilhada a posição de médica, de quem cuida e ajuda. Também não reside aí nenhum problema. Cuidar, ajudar, por que não? Mas salvar é de outra ordem. Tetro deixa isso bem claro.
     Num dos que considero um dos mais belos momentos do filme, entre vários de raríssima beleza, onde ainda no manicômio, uma cena mostra  os pacientes  reunidos e eles falam de si. Utilizam um microfone, numa espécie de reunião terapêutica coordenada por essa médica. Alguns pacientes contam de suas vidas e suas histórias, ele, calado, parece não estar lá tão ausente se mostra.           
   A médica toma a palavra. Sobre ele, diz que é “ um autor sem obra, um poeta sem poesia”. Não , ainda não está aí a beleza. O que temos aí é alguém que rouba a palavra do outro, que fala do outro no lugar dele. E ele responde. Levanta o olhar como se saísse de dentro de seu inferno particular, de seu mundo mais íntimo e num tom de voz modulado pela beleza fala coisas sobre si que não passam de invenções, ficção. Ele responde a ela, que o acusa de ser um autor sem obra, fazendo uma ficção na sua vez de falar.
   Momento de criação pura, diante dos olhos de todos, poesia que escorrega.
   Por que ele tinha que publicar? Por que?
   Onde fica o lugar reservado à sua diferença? Com que direito seu suposto irmão rouba seus escritos e os conclui? Com que direito alguém escolhe seus caminhos, seus rumos, seus fins, seu final?
   Que amor é esse que escolhe pelo outro? Aí sim encontramos a rivalidade, a hostilidade, a necessidade do espelho narcísico, a parceria mortífera. Tão travestida de amor... tão longe do amor.

Elisabeth Almeida

2 comentários:

  1. Beth, que vontade de estar com vcs e discutir cada tomada de Tetro. Vamos ver se o blog decola e otimiza os contatos. Bj.

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  2. Johnny, que bacana isso... você está muito perto. bj

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