segunda-feira, 25 de abril de 2011

Conversando com a dor e o prazer

De que ordem é a nossa relação com o ACONTECIMENTO?
Se pensarmos nas respostas que damos ao acontecimento experimentado como uma dor ou uma perda temos ao alcance de nossas mãos um manual de receitas prontas. Já trabalhamos a tentativa de lidar com esse tipo de acontecimento dando a ele um sentido que atribui a algo, a alguém ou a si próprio, uma culpa. Atribuir culpa é a expressão da nossa dificuldade de suportar aquilo que quebra a harmonia do até então desejado, que rompe com a ilusão das certezas eternas, com a garantia de proteção e com a contabilidade dos méritos. As respostas que são dadas pelas vias do sofrimento, da lamentação, da queixa, da revolta e da vingança, são respostas buscadas numa fila de espera do bandejão, geralmente requentado ou aproveitado do dia anterior,  onde se entra para se servir.  Vai mais longe: expressa a nossa insuportabilidade frente ao imponderável, ao que escapa ao nosso controle, ao que, por se apresentar, exige uma resposta singular, criativa.
Nossas vidas não são visitadas apenas por acontecimentos dolorosos. Na multiplicidade de possibilidades temos aquelas que nos trazem encantamento e prazer.
Se para pensarmos os acontecimentos dolorosos nós tomamos a morte como referência e as perdas como apresentações, manifestações da existência dela, tomemos agora o amor e os derivativos dele como referência para pensar os acontecimentos de prazer, aqueles que portam a beleza, as cores suaves, os sons mágicos e a poesia.
De início, podemos dizer que esses acontecimentos são “estranhamente” acompanhados por uma dificuldade maior que os anteriores. Aqueles, por serem dolorosos, por explicitarem a perda, são mais suscetíveis de serem acomodados no leito do sofrimento, ou seja, a eles posso rapidamente responder, sofrendo – Insistimos que esse não é necessariamente o único destino destas experiências, é somente o caminho já marcado por muitos outros pés. Quanto aos que são experimentados como prazer, talvez a dificuldade maior esteja no fato de que eles como a vida, são transitórios, e, portanto, podem durar instantes ou perdurar no tempo sempre incerto. Esse tempo incerto, não datado, essa não garantia de que aquilo que eu amo e que me dá prazer estará sempre ao meu dispor, pode sim levar a uma lida bastante complicada.
No que tange à perda, podemos dizer “perda é perda, e ponto”. Algo morreu. Por mais que tenhamos dificuldade com isso – lembrando que uma das manifestações dessa dificuldade é expressa na tentativa de dar um sentido à perda, de “compreender” de alguma maneira a perda, quase sempre pela via da culpa – essa dificuldade é de uma natureza diferente da dificuldade com a expectativa. É diferente constatar que alguém morreu e constatar que alguém pode morrer. É diferente constatar que algo acabou e que uma outra coisa pode acabar. Isso que “pode ocorrer” traz uma dificuldade especifica. Nesse sentido poderíamos colocar o medo bem próximo daquilo que temos, que amamos, que nos dá prazer. Temerosos pelo possível fim podemos precipitar esse fim: “Se tem que ir um dia, vai de uma vez!”
Temerosos pelo possível fim podemos construir medidas protetoras das mais diversas. Desde o “não é comigo”, passando pelo conhecido “pé atrás”, pelas espertezas, pelo desprezo, pelo “não me entrego para não sofrer depois”, pelo “plano B”, pela “rota de fuga”, numa variada gama de recusas e defesas frente à fragilidade da vida ou de qualquer manifestação que ocorra nela. Sim, a questão maior da vida é a morte. A perda é uma experiência de morte, um ensaio de morte. E o que se ganha porta também a possibilidade de perda, não tem escapatória. Numa e noutra, a morte conta. No insuportável da expectativa o que está em jogo é o insuportável da morte. Numa precipitação de uma quebra possível, o que se precipita é a morte, o que se anula é a surpresa. A morte imprime a tonalidade da transitoriedade. A morte é certeza. A única.
Diante disso, como responder? Como responder fora das medidas protetoras geradas pelo medo, fora da precipitação gerada pela angústia? Como responder numa “terceira via”?
Foi aí que me ocorreu uma lembrança. Numa conversa com um amigo, escutei dele que em algumas ocasiões quando um paciente dizia de sua intenção de se matar ele respondia: A morte... certamente virá. Ela já está no programa. Você não tem uma coisa mais criativa para fazer, alguma coisa que possa te surpreender um pouco, alguma coisa menos banal do que fazer o que já está por vir?

(Na seqüência vamos trabalhar a ESCOLHA).


(texto elaborado a partir do encontro do dia 12 de abril de 2011,
com a colaboração de Ana Paula G. Garcia).

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