segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tema do Projeto: As Patologias do Amor

Primeiro encontro: terça, 08 de fevereiro de 2011


O que fazemos: fundamentalmente encontros. Onde possamos brincar juntos, que pode ser muito mais gostoso do que brincar sozinho. Se eu tenho bolinhas de gude azuis, você tem verdes, pintadinhas, o jogo fica mais bonito, o chão fica colorido.

Tema: As patologias do amor

Questão inicial:

Sabemos que existem nas relações uma violência que, quando se apresenta, tem um endereço, um destino. Geralmente é a delegacia de polícia, um pronto atendimento hospitalar, exames de corpo delito, boletins de ocorrência, enfim, há vários dispositivos que podem acolhê-la.
O que nos interessa, sob a nomeação inicial, provisória talvez, estamos chamando de Patologias do Amor. Penetrar nos meandros de uma violência sutil, que não marca visivelmente, não tem registro de queixa policial.

Como trabalharemos:

Em duas vias. Uma, a partir de textos diretamente ligados ao teatro, incluindo leitura dos clássicos que tratam de questões universais e outros, outra, a partir de discussões de filmes cuja temática seja a sexualidade. Depois, cruzar as duas vias, culminando em um trabalho que possa ser a expressão do nosso empenho em refazer os caminhos da psicanálise, compromisso nosso, e produzir algo que seja da ordem da transmissão da psicanálise. Nesse percurso usar da experiência criativa como recurso fundamental. Isso nos acarretará um ganho pessoal para o que quer que façamos.

Iniciamos:

Com a leitura do texto de Dennis Diderot, “Paradoxo sobre o comediante” (tradução e notas de J. Guinsburg, São Paulo, Abril Cultural, 1974, Coleção Os Pensadores), e do artigo de Contardo Calligaris, “Todos os reis estão nus” (Folha de São Paulo, Ilustrada, 3 de fevereiro de 2011) .
Cruzando os textos: Calligaris nos propõe uma reflexão a partir do filme “O Discurso do Rei”, de Tom Ropper. Faz um resumo do filme e, na seqüência, extraí alguns pontos dos quais ressalto:

· a impostura necessária para exercer seja lá o que for,
· o reconhecimento de que carregamos máscaras,
· “avançamos mascarados, enfeitados por mentiras que nos embelezam”,
· “os melhores conhecem sua impostura e sabem que não estão à altura de sua máscara”,
· “os piores se identificam com sua máscara”,
· “acreditar nas máscaras que vestimos é um delírio que nos torna perigosos”.

Ele conclui assim: “Não há diferença entre o rei que acreditasse ser rei, o terapeuta que acreditasse ser terapeuta e o anjo exterminador que saísse atirando e matando, perfeitamente convencido de ser uma figura do apocalipse. Os três teriam isto em comum: acreditarem ser a máscara que eles vestem. Enfim, que Deus nos guarde de todos os que não enxergam sua própria nudez”.

Três perguntas são colocadas:
1- O que é um rei nu?
2- Pode uma criança vestida ver que o rei está nu?
3- O que é uma criança vestida?

Desvestimos a nudez da idéia de “roupagem”, deslocamos a idéia de uma nudez que produz “vergonha” porque esta estaria articulada com alguma referência, algum parâmetro. Tentamos manter em suspenso, provisoriamente, o que seria essa nudez, sem responder apressadamente.
Fizemos a passagem para o texto de Diderot com a seguinte colocação: O que comove é a nudez. Teremos que voltar a isso. Diderot, na sua teria sobre o ator, constrói uma teoria geral da sensibilidade.

“É que ser sensível é uma coisa, e sentir é outra. A primeira é uma questão de alma e a outra, uma questão de julgamento”. (Pág. 486-487).

Voltamos na construção da “nudez”. Articulamos nudez e esvaziamento. Esboço de resposta: o esvaziamento seria um caminho para se estar nu. De que ordem é esse esvaziamento?
Não falamos de um esvaziamento “ideal”, perfeito, total. Falamos de um exercício de quebra narcísica contínuo. A toda hora algo nos ocorre e nos despedaça. Podemos juntar os cacos e ter a falsa ilusão de que somos os mesmos. Não. Não somos. E nessa hora temos uma chance a mais de abrir mão de nossas “identidades”, de nossos “eu sou”. A imagem usada foi a de carregar nas mãos um pote cheio de coisas. Coisas como: “Sou isso” ou “Sem mim o que será de você?”. Carregar e acreditar, acreditar naquilo que não passa de uma máscara que vestimos.
O que são máscaras? Elas são as “mentiras que nos embelezam”. São “imposturas” e seu estatuto é da ordem das construções imaginárias, recursos que se adéquam a determinadas situações. Apenas isso. Não são “essência”, nem partes do meu ser. Elas podem cair. Aliás, caem toda hora e isso, entre outros ganhos, nos permite rever se ainda valem ou se está na hora de serem descartadas. Podem acabar sendo um fardo. E arrastar este fardo é como ignorar que a morte existe. E ela existe, ela leva. Portanto, ela nos dá a dimensão da inutilidade desse fardo, dessa crença, dessa consistência. Somos frágeis, e nossa fragilidade fica mais suportável com o pote mais vazio. Com o pote cheio nossos confrontos são brutais.
Frente à possibilidade da morte, frente à transitoriedade da vida, qualquer insistência no “eu sou” se torna um exercício ridículo e, como propõe Calligaris, perigoso. Por um lado impede a vida possível, por outro, impele a atuações perigosas.


Elisabeth Almeida


QUANDO VIER
Alberto Caeiro/ heterônimo de Fernando Pessoa

"Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é."

Um comentário:

  1. OS DEGRAUS

    (Mario Quintana - Baú de Espantos)

    Não desças os degraus do sonho
    Para não despertar os monstros.
    Não subas aos sótãos - onde
    Os deuses, por trás das suas máscaras,
    Ocultam o próprio enigma.
    Não desças, não subas, fica.
    O mistério está é na tua vida!
    E é um sonho louco este nosso mundo...

    ResponderExcluir