domingo, 25 de março de 2012

Como surgiu a psicanálise?

Historicamente, a psicanálise nasceu a partir da experiência clínica de um médico, neurologista, Sigmund Freud (1856 - 1939). Ele recebia os pacientes que outros médicos já haviam esgotado os recursos para tratar, e se propunha a escutar os relatos sobre seus sintomas corporais que se manifestavam, por exemplo, como paralisias, cegueira, dores em geral. Freud investigava que tipo de "doenças" seriam estas que, ao serem pesquisadas clinicamente, não tinham correspondência com lesões anatômicas. Exemplo: o paciente apresentava uma cegueira sem justificativa de qualquer alteração fisiológica. E mais, uma cegueira que, a partir de um determinado momento, desaparecia.
A Psicanálise nasceu da escuta desse "médico" muito singular que criou uma nova maneira de acolher o sofrimento humano, diferente da Medicina e da já então existente Psicologia. Atenção: isso não dispensa a Medicina, apenas aponta seu limite (dificilmente reconhecido pelos médicos e pelos pacientes) – limite este que faz com que médicos, ao se depararem com a dificuldade de curar, e com a insistência dos pacientes em “descobrir sua doença” substituam um medicamento por outro, solicitem exames e mais exames e proponham cirurgias para ver o que pode ser encontrado. Insisto, muitas vezes a pedido dos próprios pacientes.


Desde Freud, constatou-se que a medicina não dá conta de todas as manifestações do sofrimento humano. Há algo que escapa ao olhar da medicina, algo que, em última instância, não está aí para ser "curado" e sim para ser acolhido e tratado de outra maneira.  
Exemplo disso hoje seria a chamada "crise de pânico", onde a pessoa experimenta um mal estar intenso, acompanhado de um medo de morrer, também intenso. E os exames não acusam alterações porque elas não existem. São sintomas produzidos pelo estado psíquico da pessoa. Exemplifiquei rapidamente uma questão que poderia ser mais cuidadosamente desenvolvida em outro momento, a qual utilizei apenas como um parâmetro.Poderia acrescentar as fobias - medos - que também fazem "mal" e diversas outras alterações, sejam elas de sono, de alimentação, de aprendizagem, alteração de humor ou de desejo sexual. Com tudo isso a psicanálise trabalha. Ou seja, ela trabalha com o sofrimento que se expressa no corpo (não passível de ser tratado pela medicina, por não ser doença e sim manifestações do sofrimento humano) e com o sofrimento psíquico (dores psíquicas, angústia, estados de interrupção das atividades da vida). Dando seqüência ao trabalho iniciado por Freud, os psicanalistas que foram formados por Freud e fizeram parte da construção inicial da psicanálise, fundaram juntamente com ele, um Instituto com a finalidade de transmitir, aos interessados nesta prática, a teoria psicanalítica. Ela existe até hoje, inclusive no Brasil, entre outros países. É a Associação Mundial de Psicanálise (IPA), que forma analistas segundo regras pré-estabelecidas e exige que o profissional seja médico ou psicólogo para fazer a formação.
Muita coisa aconteceu na história da psicanálise depois de Freud.
Destaco a importância que teve para o movimento psicanalítico o trabalho de Jacques Lacan (1901-1981), que retomou o projeto freudiano na França e avançou teoricamente. Hoje necessitamos de Lacan para sustentar o que Freud nos legou.
Como não há um "diploma" de psicanalista, como a formação é feita em instituições que variam de orientação (como exemplo as que não pertencem à IPA), aceitam-se como candidatos pessoas oriundas de qualquer área de formação superior. Sim, um engenheiro pode fazer formação em psicanálise, tanto quanto um psicólogo ou um médico. Isso mostra que a psicanálise tem sua especificidade.  
A partir da retomada do projeto freudiano por Jacques Lacan houve uma cisão na proposta de formação do psicanalista, que se mantém até hoje. Aqueles que pretendem trabalhar com os ensinamentos propostos por Lacan – que são fundamentados em Freud, porém, atualizados no tempo e, mais precisamente, voltados para um sujeito cuja subjetividade se alterou muito depois de Freud – estes procuram um outro tipo de formação fora da IPA. Aí são muitos os caminhos, cada um deles, portanto, com diferenças consideráveis, tanto no percurso a ser realizado, quanto nos efeitos produzidos. Neste sentido não podemos dizer de "uma psicanálise". Seriam várias. 
No Brasil, a psicanálise não existe como profissão. Ela não consta do Código Brasileiro de Ocupações. Também não há um diploma de psicanalista. Isso é uma faca de dois gumes. Explico: por um lado, se tivesse esse curso na universidade, alguém que o fizesse poderia sair da faculdade, pendurar seu diploma num quadro da parede de seu consultório e dizer: "sou psicanalista formado". Se for por uma grande universidade então, mais chic ainda. Porém, a luta de Freud e de Lacan foi sempre a de que a formação do analista é uma formação permanente. Ela não se reduz a um ou a vários certificados. Ela fundamentalmente se origina na experiência da análise pessoal, e se mantém, como formação contínua que acompanha as modificações na cultura e seus efeitos nos sujeitos, sujeitos esses que buscam na psicanálise um novo modo de se colocar na vida, menos sofrido, mais satisfatório, menos complicado, mais interessante.

Elisabeth Almeida – psicanalista
bethxxxalm@yahoo.com.br



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